a. a. de assis

 

 

É sexta-feira,
véspera da folia.
Lá vai Maria.

Lá vai lavar em lágrimas
a vida ávida de vida,
sofrida vida dividida
em dívidas e dúvidas.

É sábado, é domingo,
é segunda, é terça gorda.
Roda no asfalto o samba,
geme o povo em sobressalto.
Roda rotunda a moça moma,
peitos nus lançando chamas.
Gemem bocas de crianças,
barrigas ocas
mendigando mamas.
Roda impávido o desfile
na avenida multicor.
Gemem pálidos
rostos esquálidos
desfilando a dor.
O sonho roda, geme o horror.

O samba enredo, o medo em roda.
A serpentina, o ser penante.
A passarela, o pária ao lado.

O palanque, a pelanca.
O pandeiro, a pancada.
O sambeiro, o sem-nada.
O tamborim, o camburão.

O saxofone, o saque-sem-fundo.
A fantasia, a mão vazia.
A apoteose, a verminose.
A alegoria, onde a alegria?

O trilo do apito,
o grito do aflito,
o confete, o conflito.

É quarta-feira, cinzas.
Lá vai Maria.

Lavai, Maria.
Lavai o mundo, Maria.
Lavai o imundo,
mundo imundo vasto mundo,
lavai o mundo, Maria!

 

 

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