AUGUSTO DOS
ANJOS
Texto de José
Antonio Jacob
"MONÓLOGO
DE UMA SOMBRA"
"Sou uma
Sombra! Venho
de outras
eras,
Do
cosmopolitismo
das moneras...
Pólipo de
recônditas
reentrâncias,
Larva de caos
telúrico,
procedo
Da escuridão
do cósmico
segredo,
Da substância
de todas as
substâncias!"
Eis a primeira
de trinta e
uma estrofes -
sextilhas,
isto é, com
seis versos
cada uma - em
versos
decassílabos,
métrica usada
na maior parte
de toda sua
obra - assim
alonga-se o
"Monólogo de
uma Sombra" -
que iniciou o
único volume
de poesias, o
Eu, do poeta
paraibano
Augusto dos
Anjos.
AUGUSTO
CARVALHO
RODRIGUES DOS
ANJOS,
nasceu no dia
20 de abril de
1884, no
engenho do
Pau-d'Arco,
perto da vila
do Espírito
Santo, Estado
da Paraíba e
faleceu no dia
12 de novembro
de 1913, na
cidade de
Leopoldina, em
Minas Gerais,
onde foi
sepultado.
Foram seus
pais o
advogado
Alexandre
Rodrigues dos
Anjos e Dona
Córdula
Carvalho
Rodrigues dos
Anjos, a
Sinhá-Mocinha,
os quais
tiveram vários
outros filhos.
Depoimento do
poeta refere
que o pai
morreu de
paralisia
geral e que a
mãe era
excessivamente
nervosa -
fórmula
eufêmica para
designar-lhe
mal
psicopático
maior.
Esse poeta
foi,
realmente,
grande. Dos
maiores da
nossa língua.
Complexo nos
pensamentos,
mas, sem
dúvida,
personalíssimo.
Não se
enquadrou em
qualquer
movimento
coletivo da
literatura.
A primeira
edição do Eu
foi publicada
em 1912, com
131 páginas,
ainda em vida
do Autor e
financiada
pelo seu irmão
Odilon dos
Anjos. A
segunda edição
foi lançada em
1920, com 128
páginas, às
expensas do
Governo da
Paraíba.
Edição
organizada e
prefaciada por
seu amigo de
mocidade,
Órris Soares
que também
acrescentou ao
texto original
mais 46
composições
inéditas ou
recolhidas em
jornais e
revistas da
época. Após a
morte do poeta
surgiram
inúmeras
edições onde
não mais se lê
na capa o
título, Eu, e
sim: Eu e
outras
Poesias.
Órris Soares,
velho amigo,
biógrafo e
prefaciador de
Augusto dos
Anjos, diz que
o poeta não se
filiou a
nenhuma escola
e lamenta que
ele não tenha
atingido "o
marco da
existência em
que a criatura
se apodera dos
esplendores e
riquezas de
todas as suas
aptidões
mentais".
Órris rescorda
que Augusto
dos Anjos
nascera
sofredor e que
foi essa
faculdade que
o elevou tão
alto.
Andrade
Muricy,
profundo
estudioso do
Simbolismo,
escreveu em
sua obra
"Panorama do
Movimento
Simbolista
Brasileiro" um
interessante
capítulo
intitulado
"Augusto dos
Anjos e o
Simbolismo",
no qual diz
que ele "seria
o poeta que
foi em
qualquer época
literária.
Tal, porém,
como se
cristalizou,
precisamente
assim, só o
pode ser
porque passou
pela atmosfera
do
simbolismo".
Augusto dos
Anjos
formou-se em
Direito, porém
não exerceu a
advocacia e
sim o
magistério.
Lecionou no
Liceu
Paraibano
(Paraíba) e
depois na
Escola Normal
e no Colégio
Pedro II, do
Rio de
Janeiro. A
conselho
médico,
mudou-se, com
a esposa e os
dois filhos,
para
Leopoldina
(Minas
Gerais), onde
faleceu quando
exercia o
cargo de
Diretor do
Grupo Escolar.
Estava
tuberculoso.
Nascido e
criado sob o
regime rural
do
patriarcalismo,
foi alimentado
com leite de
escrava.
Augusto dos
Anjos descende
pelo lado
materno de
antigos
senhores de
terras, os
Fernandes de
Carvalho,
proprietários
de engenhos na
Várzea da
Paraíba, à
margem do Rio
Una, um dos
afluentes do
rio maior.
João Antonio
Fernandes de
Carvalho
casara-se com
uma prima e
vizinha,
Juliana, mas
esta, tendo
enviuvado,
decidiu romper
a tradição, ao
contrair
núpcias fora
da família.
Escolheu para
seu segundo
marido o juíz
municipal de
Pedras de
Fogo, lugarejo
ao sul da
província, na
divisa com
Pernambuco.
Chamava-se
Aprígio Carlos
Pessoa de
Melo. Na
família
ficaria
conhecido
apenas por
Doutor, como a
distinguir o
intruso que
penetra no
seio da
família e que
só possuia o
diploma de
bacharel.
Conta a
tradição oral
que, uma vez
terminado o
inventário de
João Antonio,
aparecera
naquelas
paragens o
Doutor Aprígio
e pedira a mão
da filha da
senhora do
engenho, a
Sinhá-Mocinha.
" Não Senhor!
- teria sido a
resposta de
Dona Juliana
-. Case-se o
Senhor comigo,
que estou
ainda moça, e
case com a
minha filha
seu primo,
Doutor
Alexandre".
Antes de
completar um
ano de casada
com o juiz
Dona Juliana
morreu. Desde
então o Doutor
Aprígio passou
a gerir
sozinho todos
os negócios da
família.
O juiz era
homem de luta
e apoiava a
dissidência
liberal, era
escravista,
lutou contra a
campanha
abolicionista,
e sempre
permaneceu
fiel aos
pricípios
monárquicos.
Ao contrário
do primo,
Alexandre
Rodrigues dos
Anjos, que já
se casara com
a filha da
senhora do
engenho,
Sinhá-Mocinha,
possuía idéias
abolicionistas
e
republicanas.
Ainda assim
viveu sempre
no seu Engenho
Pau-d'Arco,
completamente
afastado da
política e das
discussões
sobre Religião
e Filosofia,
tão em moda no
Brasil de
então. Tinha
vasta erudiçao,
versado que
era em letras
clássicas,
além de
atualizado com
a cultura do
seu tempo,
leitor de
Spencer e até
de Marx.
Cuidou da
instrução dos
filhos,
aplicando, ele
mesmo, seu
cabedal de
conhecimentos
aos mesmos.
Desde as
primeiras
letras aos
exames
preparatórios,
e até mesmo ao
ensino do
Direito, todos
receberam
lições de
Humanidade
desse pai.
Absorvido com
as suas
leituras e com
a educação dos
filhos, que o
tratavam
carinhosamente
de Ioiô, o
Doutor
Alexandre não
se preocuparia
com os
negócios da
família. Era
esta
atribuição
exclusiva do
Doutor
Aprígio, ou
simplesmente o
Doutor, como
aparece no
soneto
Ricordanza
della mia
gioventù.
No final do do
século XIX
houve a queda
do preço do
açúcar e da
aguardente e
com isso
apareceram as
hipotecas e as
dívidas feitas
pelo patriarca
Doutor
Aprígio. O
Engenho
Pau-d'Arco
estava no fim.
A par da ruína
financeira da
família o pai
de Augusto dos
Anjos,
Alexandre
Rodrigues dos
Anjos, caíra
gravemente
enfêrmo.
Ficaria este,
o Ioiô, imóvel
numa cama,
anos inteiros,
até morrer,
enquanto as
prestações
vencidas das
hipotecas iam
acumulando no
Banco Emissor
de Pernambuco.
Até 1908, até
pois os 24
anos, Augusto
dos Anjos
viveu no
Engenho
Pau-d'Arco, de
onde se
afastava
periodicamente
para estudar.
Fez todos os
exames
preparatórios
no Liceu
Paraibano, e
todo o curso
na Faculdade
de Direito, no
regime que
então se
denominava
"exame vago",
facultado aos
alunos que
tivessem
freqüência
regular,
condicionando-as
à argüição de
toda matéria e
não apenas do
ponto
sorteado. Daí
a sua ausência
quase
absoluta, a
sua não
participação
do movimento
estudantil de
Pernambuco. Em
tempo nenhum
aparecia,
tinha poucos
amigos, e era
alheio aos
regozijos da
vida. Não
seria visto
nem em
manifestações
a políticos,
nem mesmo nas
festinhas na
casa de amigos
da Faculdade
de Direito.
Augusto dos
Anjos era o
grande
ausente, pois
estava em casa
sendo
preparado nos
estudos por
seu pai.
Em 1910 foi
nomeado para a
cadeira de
Literatura do
Liceu
Paraibano, em
caráter
interino, na
vaga aberta
com a eleição
para deputado
federal do
titular
efetivo,
Manuel Tavares
Cavalcanti,
graças ao seu
próprio
prestígio,
como poeta e
intelectual,
junto ao novo
presidente do
Estado da
Paraíba, João
Lopes Machado.
Logo em
seguida os
dois entraram
em conflito
devido a
insistência de
Augusto dos
Anjos em
querer "tentar
a sorte" no
Rio de
Janeiro, e
para isto
queria obter
uma licença
que lhe
garantisse o
cargo, caso
precisasse
voltar, já
que, neste
mesmo ano, no
dia quatro de
julho,
casara-se com
Dona Ester
Fialho. A
amizade entre
os dois foi
rompida diante
da negativa de
João Lopes
Machado de
prestar
atendimento ao
pedido feito
pelo poeta, e
chegou mesmo a
fazer pouco
caso dele, que
imediatamente
abandonou o
cargo e viajou
para o Rio de
Janeiro. João
Lopes Machado,
político de
pouca
expressão,
estaria
esquecido caso
não tivesse em
sua vida esse
epsódio com
Augusto dos
Anjos.
Ainda em 1910,
em carta sua,
datada de 18
de outubro,
comunica a uma
irmã que
chegou com a
mulher ao Rio
de Janeiro e
reside na
Avenida
Central. No
Rio, irá
passar
dificuldades
financeiras e
morar em seis
diferentes
casas,
sucessivamente,
durante os
dois anos em
que
permanecerá na
Capital do
País.
Em 1 de julho
de 1913 é
nomeado
diretor do
Grupo Escolar
Ribeiro
Junqueira, de
Leopoldina,
Estado de
Minas Gerais.
A 22 do mesmo
mês e ano
chega a essa
cidade mineira
e a 25 assume
a direção do
grupo. Aos 31
de outubro do
mesmo ano, é
acometido de
forte gripe,
que se alonga
por doze dias,
ao cabo dos
quais, no dia
12 de
novembro,
morre.
Vale a pena
ler este
artigo:
"Histérico,
neurastênico,
desequilibrado,
a esse tipo de
julgamento
terá que se
acostumar o
poeta. Na
Paraíba foi
chamado
"Doutor
Tristeza". E
um professor
de primeiras
letras,
enfurecido com
os temas que
considerou
antipoéticos
dos versos do
poeta
publicados n'O
Comércio,
deu-se ao
trabalho de
mandar
imprimir e
fazer
distribuir
pelas ruas da
Paraíba uma
"carta
aberta", cheia
de
impropérios,
atacando
rudemente o
"Poeta
Raquítico". Se
Cesário Verde,
em Portugal,
teve pela
frente um
Ramalho
Ortigão, que
não entendeu,
a princípio, a
qualidade da
sua mensagem,
Augusto dos
Anjos, teve um
cidadão, um
professor, de
quem não se
guarda sequer
o nome. Mas a
resposta do
poeta, em
versos
alexandrinos,
a essa "carta
aberta" há de
ficar. E
merece ser
lembrada." (Eu
& Outras
Poesias -
Civilização
Itatiaia -
1982)
Bilhete
Postal
Ilustre
professor de
Carta Aberta:
- Almejo
Que uma
alimentação a
fiambre e a
vinho e a
queijo
Lhe fortaleça
o corpo e
assim lhe
fortaleça
As mãos, os
pés, a perna
et coetera e a
cabeça.
Continue a
comer como um
monstro no
almoço
Inche como um
balão, cresça
como um
colosso
E vá
crescendo, vá
crescendo e vá
crescendo,
E fique do
tamanho
extraordinário
e horrendo
Do célebre
Titão e do
Hércules
lendário;
O seu ventre
se torne um
ventre
extraordinário,
Cheio do
cheiro ruim de
fétidos
resíduos,
As barrigas
então de
cinqüenta
indivíduos
Não poderão
caber na sua
ampla barriga;
Não mais lhe
pesará a
desgraça
inimiga,
O seu nome
também não
será mais
Antonio.
Todos hão de
chamá-lo o
colosso, o
demônio,
A maravilha
das brilhantes
maravilhas.
As hienas
carniçais, as
leoas e as
novilhas,
Diante do seu
vigor
recuarão, e
diante
Do estribado
metal de sua
voz atroante
Decerto
correrão
mansas e
espavoridas.
Se as minhas
orações forem,
pois,
atendidas,
O senhor há de
ser o Teseu do
universo.
Seja um
gigante, pois;
não faça
porém, verso
de qualidade
alguma e nem
também me faça
Artigos
tresandando a
bolor e a
cachaça,
Ricos de
incorreções e
de erros de
gramática,
Tenha
vergonha,
esconda essa
tendência
asnática,
Que somente
possui o seu
cérebro obtuso
-
Esconda-a, e
nunca mais se
exponha a
fazer uso
Da pena, e
nunca mais
desenterre
alfarrábios.
Os tolos, em
geral, são
tidos como
sábios,
Que sabem
calar-se e
reprimir-se
sabem,
O senhor é
papalvo e os
papalvos não
cabem
No centro
literário e no
centro
político.
Respeite-me,
portanto!
O Poeta
Raquítico.
Augusto dos
Anjos foi e
será, tempos
em fora,
incluido numa
modalidade de
poetas
chamados, a um
tempo,
cientificistas
e
filosofantes.
Há que prestar
atenção
especial para
o vocabulário
do poeta.
Oriundo, em
grande parte,
da linguagem
das ciências
naturais, não
é ele,
entretanto,
apenas assim
caracterizado.
Ele se
distingue pela
riqueza
vocabular de
origem
erudita, e na
minúcia que
emprega ao que
designa ou
exprime nos
seus versos.
Desde a
adolescência,
quando
terminava os
exames
preparatórios
no Liceu, o
poeta
impressionava
pela magreza e
aspecto
doentio,
descritos por
Órris Soares e
José Américo
de Almeida:
"mais alto do
que baixo,
franzino e
recurvo, tez
encerada de
moreno pálido,
a fronte
alongada e uns
grandes olhos
sem
mobilidade. As
mãos eram
afiladas e
moles, mãos de
tímido. Usava
um bigode
mínimo, como
um debrum. O
andar era
inseguro com
os ombros
lançados para
a frente e o
peito mais
reentrante do
que o seu
natural. Um
passo leve,
tateante, como
se marchasse
nas pontas dos
pés".
Segundo Órris
Soares "A
derradeira
cintilação do
poeta, foi o
seu último
soneto. Já a
morte, a olhos
de todos,
entrara-lhe no
quarto,
distendendo
sobre o leito
asas
encurvadas. De
mansinho,
calçando
veludo,
surge-lhe a
inspiração
para lhe
beijar a
fronte. A diva
estremece por
aquele
moribundo e
não quer vê-lo
partir
sozinho:
"Hora da minha
morte, Hirta,
ao meu lado,
A Idéia
estertorava-se...
No fundo
Do meu
entendimento
moribundo
Jazia o Último
Número
cansado.
Era de vê-lo,
imóvel,
resignado,
Tragicamente
de si mesmo
oriundo,
Fora da
sucessão,
estranho ao
mundo,
Com o reflexo
fúnebre do
Incriado:
Bradei: - Que
fazes ainda no
meu crânio?
E o Último
Número, atro e
subterrâneo,
Parecia
dizer-me: - É
tarde amigo!
Pois que a
minha
autogênica
grandeza
Nunca vibrou
na tua língua
presa,
Não te
abandono mais!
Morro
contigo!"
Vinte e quatro
horas depois,
caíam-lhe as
pálpebras para
todo e sempre,
escondendo os
tesouros com
que a natureza
o cumulara"
|