Casimiro de
Abreu
Oh! Que
saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida,
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras,
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Como são belos os dias
Do despontar da existência!
Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é lago sereno,
O céu – um manto azulado,
O mundo – um sonho dourado,
A vida – um hino de amor!
Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia,
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado de estrelas,
A terra de aromas cheia,
E a lua beijando o mar!
Oh! Dias da minha infância!
Oh! Meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Naquela risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
E tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos da minha irmã!
Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
De camisa aberta ao peito,
Pés descalços, braços nus,
Correndo pelas Campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!
Naqueles tempos ditosos,
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava as Avemarias,
Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar
Oh! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida,
Que os anos não trazem mais
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras,
À sombra das laranjeiras,
Debaixo dos laranjais!
1839/1860
Todos
os direitos reservados ao autor
Biografia
Casimiro de
Abreu (Casimiro José Marques de Abreu),
poeta, nasceu em Barra de São João,
RJ, em 4 de janeiro de 1839, e faleceu
em Nova Friburgo, RJ, em 18 de outubro
de 1860. É o patrono da Cadeira n. 6
da Academia Brasileira de Letras, por
escolha do fundador Teixeira de Melo.
Era filho natural do abastado
comerciante e fazendeiro português
José Joaquim Marques Abreu e de Luísa
Joaquina das Neves. O pai nunca
residiu com a mãe de modo permanente,
acentuando assim o caráter ilegal de
uma origem que pode ter causado
bastante humilhação ao poeta. Passou a
infância sobretudo na propriedade
materna, Fazenda da Prata, em
Correntezas. Recebeu apenas instrução
primária, estudando dos 11 aos 13 anos
no Instituto Freeze, em Nova Friburgo
(1849-1852), onde foi colega de Pedro
Luís, seu grande amigo para o resto da
vida. Em 52 foi para o Rio de Janeiro
praticar o comércio, atividade que lhe
desagradava, e a que se submeteu por
vontade do pai, com o qual viajou para
Portugal no ano seguinte. Em Lisboa
iniciou a atividade literária,
publicando um conto e escrevendo a
maior parte de suas poesias, exaltando
as belezas do Brasil e cantando, com
inocente ternura e sensibilidade quase
infantil, suas saudades do país. Lá
compôs também o drama Camões e o Jaú,
representado no teatro D. Fernando
(1856). Ele só tinha dezessete anos, e
já colaborava na imprensa portuguesa,
ao lado de Alexandre Herculano, Rebelo
da Silva e outros. Não escrevia apenas
versos. No mesmo ano de 1856, o jornal
O Progresso imprimiu o folhetim
Carolina, e na revista Ilustração
Luso-Brasileira saíram os primeiros
capítulos de Camila, recriação
ficcional de uma visita ao Minho,
terra de seu pai.
Em 1857, voltou ao Rio, onde continuou
residindo a pretexto de continuar os
estudos comerciais. Animava-se em
festas carnavalescas e bailes e
freqüentava as rodas literárias, nas
quais era bem relacionado. Colaborou
em A Marmota, O Espelho, Revista
Popular e no jornal Correio Mercantil,
de Francisco Otaviano. Nesse jornal,
trabalhavam dois moços igualmente
brilhantes: o jornalista Manuel
Antônio de Almeida e o revisor Machado
de Assis, seus companheiros em rodas
literárias. Publicou As primaveras em
1859. Em 60, morreu o pai, que sempre
o amparou e custeou de bom grado as
despesas da sua vida literária, apesar
das queixas românticas feitas contra a
imposição da carreira. A paixão
absorvente que consagrou à poesia
justifica a reação contra a visão
limitada com que o velho Abreu
procurava encaminhá-lo na vida
prática.
Doente de tuberculose, buscou alívio
no clima de Nova Friburgo. Sem obter
melhora, recolhe-se à fazenda de
Indaiaçu, em São João, onde veio a
falecer, seis meses depois do pai,
faltando três meses para completar
vinte e dois anos.
Em As primaveras acham-se os temas
prediletos do poeta e que o
identificam como lírico-romântico: a
nostalgia da infância, a saudade da
terra natal, o gosto da natureza, a
religiosidade ingênua, o
pressentimento da morte, a exaltação
da juventude, a devoção pela pátria e
a idealização da mulher amada. A sua
visão do mundo externo está
condicionada estreitamente pelo
universo do burguês brasileiro da
época imperial, das chácaras e
jardins. Trata de uma natureza onde se
caça passarinho quando criança, onde
se arma a rede para o devaneio ou se
vai namorar quando rapaz.
À simplicidade da matéria poética
corresponde amaneiramento paralelo da
forma. Casimiro de Abreu desdenha o
verso branco e o soneto, prefere a
estrofe regular, que melhor transmite
a cadência da inspiração “doce e
meiga” e o ritmo mais cantante.
Colocado entre os poetas da segunda
geração romântica, expressa, através
de um estilo espontâneo, emoções
simples e ingênuas. Estão ausentes na
sua poesia a surda paixão carnal de
Junqueira Freire, ou os desejos
irritados, macerados, do insone
Álvares de Azevedo. Ele pôde sublimar
em lânguida ternura a sensualidade
robusta, embora quase sempre bem
disfarçada, dos seus poemas
essencialmente diurnos, nos quais não
se sente a tensão das vigílias. No
poema “Violeta” configura a teoria do
amor romântico, segundo a qual devem
ficar subentendidos os aspectos
sensuais mais diretos, devendo, ao
contrário, ser manifestado com o maior
brilho e delicadeza possível o que for
idealização de conduta. O meu livro
negro, em toda a sua obra, é o único
momento de amargura violenta e
rebeldia mais acentuada; noutros o
drama apenas se infiltra, menos
compacto. Em sua poesia, talvez
exagerada no sentimentalismo e repleta
de amor pela natureza, pela mãe e pela
irmã, as emoções se sucedem sem
violência, envolvidas num misto de
saudade e de tristeza.
Escreveu as seguintes obras: Camões e
o Jaú, teatro (1856); Carolina,
romance (1856); Camila, romance
inacabado (1856); A virgem loura
Páginas do coração, prosa poética
(1857); As primaveras (1859). Foram
reunidas na Obras de Casimiro de
Abreu, edição comemorativa do
centenário do poeta; organização,
apuração do texto, escorço biográfico
e notas por Sousa da Silveira.
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