Só a leve esperança, em
toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada:
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.
O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.
Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa, que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,
Existe, sim : mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.
Todos os direitos reservados ao
autor
1866 / 1924
Olhos Verdes
Olhos encantados, olhos cor do mar,
Olhos pensativos que fazeis sonhar!
Que formosas cousas, quantas maravilhas
Em vos vendo sonho, em vos fitando vejo;
Cortes pitorescos de afastadas ilhas
Abanando no ar seus coqueirais em flor,
Solidões tranqüilas feitas para o beijo,
Ninhos verdejantes feitos para o amor...
Olhos pensativos que falais de amor!
Vem caindo a noite, vai subindo a lua...
O horizonte, como para recebê-las,
De uma fimbria de ouro todo se debrua;
Afla a brisa, cheia de ternura ousada,
Esfrolando as ondas, provocando nelas
Bruscos arrepios de mulher beijada...
Olhos tentadores da mulher amada!
Uma vela branca, todo alvor, se afasta
Balançando na onda, palpitando ao vento;
Ei-la que mergulha pela noite vasta,
Pela vasta noite feita de luar;
Ei-la que mergulha pelo firmamento
Desdobrado ao longe nos confins do mar...
Olhos cismadores que fazeis cismar!
Branca vela errante, branca vela errante,
Como a noite é clara! como o céu é lindo!
Leva-me contigo pelo mar... Adiante!
Leva-me contigo até mais longe, a essa
Fimbria do horizonte onde te vais sumindo
E onde acaba o mar e de onde o céu começa...
Olhos abençoados cheios de promessas!
Olhos pensativos que fazeis sonhar,
Olhos cor do mar!
Todos os direitos reservados ao
autor
1866 / 1924
Biografia
Vicente de Carvalho (V. Augusto de C.),
advogado, jornalista, político, magistrado, poeta
e contista, nasceu em Santos, SP, em 5 de abril de
1866, e faleceu em São Paulo, SP, em 22 de abril
de 1924. Eleito em 1o de maio de 1909 para a
Cadeira n. 29, na sucessão de Artur Azevedo, foi
recebido na sessão de 7 de maio de 1910, por
carta.
Era filho do major Higino José Botelho de Carvalho
e de Augusta Bueno Botelho de Carvalho. Fez o
primário na cidade natal e, aos 12 anos, seguiu
para São Paulo, matriculando-se no Colégio Mamede
e, depois, no Seminário Episcopal e no Colégio
Norton, onde fez os preparatórios. Aos 16 anos
matriculou-se na Faculdade de Direito. Em 1886,
com 20 anos, era bacharel em Direito. Republicano
combativo, cursava ainda o 4o ano quando foi
eleito membro do Diretório Republicano de Santos.
Em 1887, era delegado a Congresso Republicano,
reunido em São Paulo. Em 1891, era deputado ao
Congresso Constituinte do Estado. Em 1892, na
organização do primeiro governo constitucional do
Estado, foi escolhido para a Secretaria do
Interior. Por ocasião do golpe de estado de
Deodoro, abandonou o cargo que vinha exercendo.
Mudou-se, então, para Franca, município do
interior paulista, e tornou-se fazendeiro. Em
1901, regressou a Santos, dedicando-se à
advocacia. Em 1907, mudou-se para São Paulo, onde
foi nomeado juiz de direito. Em 1914, passou a
ministro do Tribunal da Justiça do Estado.
Vicente de Carvalho foi, durante toda a sua vida,
um jornalista combativo. Até 1915, sua atuação na
imprensa foi quase ininterrupta. Em 1889, era
redator do Diário de Santos, fundando, no mesmo
ano, o Diário da Manhã, de Santos. Ali manteve
ainda colaboração em A Tribuna e fundou, em 1905,
O Jornal. Até 1913 colaborou no Estado de S.
Paulo. No fim da vida, cansou-se do jornalismo,
mas continuou em contato com seus leitores através
dos versos que publicava nas páginas de A Cigarra.
Poeta lírico, ligou-se desde o início ao grupo de
jovens poetas de tendência parnasiana. Foi grande
artista do verso, da fase criadora do
Parnasianismo. Da sua produção poética ele próprio
destacou poemas que são de extrema beleza, como:
"Palavras ao mar", "Cantigas praianas", "A ternura
do mar", "Fugindo ao cativeiro", "Rosa, rosa de
amor", "Velho tema", "O pequenino morto".
Obras: Ardentias (1885); Relicário (1888); Rosa,
rosa de amor (1902); Poemas e canções (1908);
Versos da mocidade (1909); Verso e prosa,
incluindo o conto "Selvagem" (1909); Páginas
soltas (1911); A voz dos sinos (1916); Luizinha,
contos (1924); discursos e obras políticas e
jurídicas. |
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